Manifestação à FAPESP

No dia 20 de outubro assistimos com preocupação à 5ª Conferência FAPESP 60 anos, cujo tema foi “O Uso de Evidências e Dados para a Melhoria da Educação Nacional”.

 

Conquanto salutar a iniciativa da FAPESP de incluir a temática da educação entre as conferências comemorativas de seus 60 anos, havia a expectativa de assistirmos a uma apresentação de dados minimamente sistematizados, considerando que o campo educacional possui uma vasta produção acadêmica que, há décadas, auxilia e orienta as políticas públicas para a melhoria da qualidade da educação brasileira.

É desnecessário lembrar que nem toda pesquisa em educação tem ou deve ter seus resultados validados por sua aplicabilidade imediata. Além disso, são diversos os campos dos estudos educacionais cujas investigações e evidências informam elaboradores de políticas e tomadores de decisões no âmbito das redes de ensino e da alta administração: pesquisas relativas ao currículo, às relações e condições de trabalho dos profissionais da educação, às práticas pedagógicas, à gestão da educação, ao seu financiamento, aos impactos de políticas e programas para a garantia do direito à educação e para o enfrentamento das desigualdades educacionais, dentre muitas outras.

O uso de evidências nas políticas educacionais pressupõe, conforme amplamente discutido na literatura internacional e nacional, a sistematização de resultados de pesquisas por meio de estudos de revisão que mapeiam, sistematizam e informam à comunidade acadêmica e aos tomadores de decisão as políticas e práticas educacionais que produzem os melhores e os piores resultados.

Além de estudos de revisão, diversas pesquisas financiadas pela FAPESP nas últimas décadas vêm avaliando políticas e programas educacionais em todas as esferas dos governos. Pesquisas cujos resultados encontram-se disponíveis para a administração pública e para a sociedade de maneira geral. Reconhecidamente, o acesso a tais resultados de pesquisa fica, por vezes, restrito a investigadores e a gestores públicos – a exemplo dos conferencistas convidados da 5ª Conferência FAPESP 60 anos: Rossieli Soares da Silva, Simon Schwartzman e Roberto Lent. Daí a nossa surpresa, como pesquisadores que estudam políticas educacionais, diante das afirmações dos convidados de que não existem no Brasil pesquisas capazes de subsidiar políticas públicas para a educação. Discordamos veementemente dessa colocação.

Tal compreensão desconsidera não apenas o trabalho de milhares de pesquisadores – professores e estudantes de pós-graduação – mas também o fato de que agências de fomento como FAPESP, CNPq e Capes destinam recursos para o financiamento de sofisticados estudos e pesquisas em Educação. Considerando que a maioria dos pedidos anuais de financiamento à pesquisa na área de Educação não é atendido por essas agências – por um lado, pelo rigor das avaliações, que busca garantir que os recursos públicos sejam destinados a projetos de maior interesse científico, e, por outro, pela escassez de recursos –, não são razoáveis as afirmações que deram o tom na Conferência e foram amplamente divulgadas pela imprensa a partir de notícia veiculada pela Agência Fapesp, a exemplo da matéria da Folha de S. Paulo intitulada “Faltam pesquisas para embasar as políticas educacionais no Brasil, afirmam especialistas” (22 out. 2021).

Desde a institucionalização dos programas de pós-graduação no Brasil, nos anos 1960, as universidades brasileiras têm produzido conhecimentos relevantes para o desenho e a implementação de políticas educacionais que contribuam para a melhoria da educação no país. Sobre a contribuição das pesquisas acadêmicas, pode-se destacar, entre muitas, o estudo do Custo Aluno-Qualidade, desenvolvido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação com participação de pesquisadores de universidades públicas, e fundamental no processo de constitucionalização do FUNDEB, em 2020.

Sob o argumento de que faltam estudos sobre as “boas” políticas e práticas educacionais, escamoteia-se o fato de que o Ministério da Educação e as Secretarias da Educação de estados e municípios pouco valorizam a produção acadêmica nacional, por considerarem que as críticas apresentadas nos estudos e pesquisas não coadunam com a ideologia e a política dos que estão à frente do estabelecimento das políticas educacionais no âmbito dos governos.

Não por acaso, diversas pesquisas indicam a aproximação e a subordinação dos governos a programas e políticas educacionais elaboradas por organizações privadas, apoiados em estudos não-públicos que, paradoxalmente, se baseiam em dados públicos. Apesar disso, o desprezo dos gestores à pesquisa educacional realizada nas universidades brasileiras não se restringe às investigações sobre o conteúdo político das políticas educacionais: ele também abarca os estudos de impacto e eficácia das políticas educacionais, sempre que os resultados de tais estudos não se alinham ao perfil das evidências “aceitáveis” a seus projetos governamentais.

Assim, a questão que se coloca sobre a temática da Conferência, para além da necessidade de avançarmos no financiamento da pesquisa educacional – que recebe menos recursos do que outras áreas –, é o fato de que as conclusões e proposições que a maioria das pesquisas acadêmicas apresentam não são aceitas por uma parte dos elaboradores de políticas e tomadores de decisões porque seus resultados problematizam grande parte das políticas educacionais vigentes.

Diante da oportunidade de diálogo que esta Conferência estimulou, sugerimos que a FAPESP considere a criação de canais e estratégias de divulgação dos resultados das pesquisas em educação financiadas por ela – inclusive dos resultados derivados de programas de financiamento à pesquisa aplicada como é o Políticas Públicas e o Escola Pública. Também nos colocamos à disposição da FAPESP, caso haja interesse, para divulgar os resultados das pesquisas nos boletins da Agência Fapesp ou na revista Pesquisa Fapesp.

Sugerimos, por fim, que a FAPESP organize conferências com pesquisadores que têm indicado bons e maus resultados nas políticas educacionais, nas práticas escolares e na gestão educacional, contemplando a diversidade epistemológica, teórica e metodológica que é tão fundamental para uma leitura mais sofisticada sobre “o uso de evidências e dados para a melhoria da educação nacional”, para o avanço da ciência e para o fortalecimento da democracia. 

Assinam:

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